domingo, 15 de maio de 2011

A MÚSICA DE JANA FIGARELLA COMO REFLEXO DA IDENTIDADE DO POVO SANTARENO


Janaína Figarella representa a renovação na MPB e na música regional. Nasceu em Manaus, mora no Recife, mas escolheu Santarém como cidade natal após morar algum tempo nessa localidade.
Participou do programa FAMA da Rede Globo em 2005 e do programa Ídolos do SBT em 2006. Participou também do FECAN (Festival da Canção) em Porto Trombetas e ficou em 1º lugar com a música “Sonho de Índio”.
Sonho de Índio
Composição: Jana Figarella
Amazônia mata minha sede
De ver o Uirapuru cantar
Sem medo de caçador para caçar
Se houver medo que eu confie em curupira
Que brinca de pira pega
Pra confundir caçador
Que se perde no meio da mata
E se encanta com o canto de Iara
Nas barbatanas do Boto

Que conhece o fundo do rio
No pé do açaiceiro sustenta
O sustento que mata a fome
De cunhantã, de curumim
Que preta é aquela
Que vem acolá, descendo o rio de canoa?
É Dona Maria, é Dona Maria, é Dona Maria!
Égua, olha, disque o igarapé vai secar
Tão tudo de olho na nossa terra
Nas nossas águas
 Sonho de Índio é ver homem branco dizer
Que não mais desmata a mata
Na letra dessa música vemos clara referência aos povos indígenas e sua relação de respeito com a floresta na qual habitam. Vemos também uma crítica à relação destrutiva que o homem branco mantém com essa mesma floresta.
Vemos a presença da fauna da região (uirapuru e boto), da flora (açaizeiro), de expressões lingüísticas próprias da região (égua, curumim, cunhantã e igarapé), do modo de falar da região (Tão tudo de olho na nossa terra) e de lendas da região (Iara e curupira).
Dessa forma, a música cumpre o papel de revelar o “lugar social” do qual se está falando. Ela é um dos elementos culturais capazes de nos identificar como membros pertencentes a uma coletividade comum, pertencentes à mesma região, ao mesmo lugar.
Em algumas músicas são apontadas características que definem como certo grupo será identificado, no caso do povo brasileiro se constrói um tipo sestroso, lascivo, indolente. Por outro lado, a música também pode representar a nação como um signo de valor semântico, assim como a bandeira, a seleção canarinho, ou seus heróis nacionais.
Assim, ela é capaz não só de inventar tradições, que consigam fomentar um senso de pertencimento homogêneo em pessoas separadas por distâncias continentais como no Brasil, mas também pode, mesmo, estruturar toda a rítmica social de dada comunidade.
Em cada manifestação musical, os elementos que constituem determinada comunidade são revigorados, os laços sociais são cerzidos de uma forma capaz de ultrapassar todas as enormes diferenças localizadas desde o momento da fundação da sociedade brasileira.
Num país como o Brasil, onde a persistência do analfabetismo e uma falta de leitura reflexiva fazem parte da realidade, a canção se estabelece como nosso maior cronista do cotidiano, capaz de interpretar e debater nossas ausências, mazelas, mas também responsável por doar significado à nossa existência compartilhada, ao todo reunida na mesma pátria.
Não vem não

Não pense que vai me ferir
Falando que eu sou do mato
Ou até mesmo dizer
Que nunca viu um índio
Engravatado de terno e sapato
Eu só vou rir de você
Vou respeitar a sua ignorância
Seu miolo mole, por desconhecer
Que nessa terra de prédios enormes
E caminhos asfaltados
É fascinante, mas você não quer ver
Não vem não, não vem não
Com esse papo atrasado de autoconclusão
Não vem não, não vem não
Com esse resquício freudiano
De autocomparação
Não vem não, não vem não
Não deixe o preconceito embaçar sua visão
Não vem não, não vem não
Porque a Amazônia vai ser
sempre linda, com você ou não
Não venha me mostrar cartões postais
Com obras de Oscar Nyemeyer
Você vai se arrepender
Vou lá no Mascotinho
Te mostrar o por do sol na praia
Você vai se estarrecer
O Tapajós e o Amazonas se amando
Num romance eterno
É de enlouquecer
Vou te mostrar Alter do Chão
E a cultura desse povo
Que é fascinante,
Mas você não quer ver

No início dessa música vemos referência clara ao preconceito sofrido pelos habitantes da região norte do país, que são classificados como interioranos ou do “mato”. Em seguida, vemos o preconceito sofrido pelos indígenas como se não pudessem usar terno e gravata, como se não pudessem estudar só porque são índios. A música segue fazendo referência ao preconceito e ao fato da Amazônia continuar sendo o que é independente da opinião que possam ter a respeito dela e dos que nela moram.
Em seguida a letra faz referências às obras de Oscar Niemeyer que em nada se relacionam com a realidade dos habitantes da região norte, mas o por do sol do Mascotinho é parte da realidade de qualquer santareno, assim como o encontro das águas do rio Tapajós com o Amazonas e Alter do Chão.
Por outro lado temos a música
Nada se compara
Composição: Jana Figarella
Nada se compara a alegria
Que é estar na minha terra
Pérola do Tapajós
Que encanta todos nós
Hoje meu cantar
É pra homenagear tua beleza
Rara beleza
Todo meu bem
Entrego ao coração de Santarém
Eu digo égua, falo pai d'égua
Não nego a ninguém
Que meu orgulho é Santarém
Eu digo égua, mas olha já
Mas quando que eu nego
Eu sou cabocla do Pará (bis)
Essa música é uma declaração de amor pela cidade de Santarém feita de forma direta e usando expressões lingüísticas bem características como˸ égua, pai d’égua, olha já e mas quando.
Só te digo vai
Jana Figarella
 
Ei psiu, Manazinha!
Só te digo: vai.
Lugar melhor não tem
Ei já falei meu bem
Não troco Santarém
Por terra de ninguém
Ei psiu, manazinha!
Gosto "puco" daqui
O destino me leva
Só que vira e mexe
eu volto pra essa terra
Meu coração ateu
É teu, é teu, é teu, é teu
Alter do Chão inteiro
É meu, é meu, é teu e é meu
Eu que nem sou daqui
Tomei do açaí
Provei do Tacacá
E eu que vim de lá
Me encantei com o boto
E agora vou ficar
Dancei o carimbó
Caí no siriá
Vim do maracatu
Nasci do boi bumbá
Já rodei o Brasil
Do Oiapoqui ao Chuí
E sou mais mocoronga
Do que muito caboco daqui
Nessa música também observamos o uso de expressões linguísticas características da região (manazinha, só te digo vai, puco, mocoronga e caboco), lendas (boto), danças (carimbó, siriá, maracatu, bumba meu boi), da gastornomia local (açaí, tacacá), de lugares (Alter do Chão) e do tema principal da música que é o amor a Santarém que, mesmo tendo andado o Brasil inteiro (do Oiapoque ao Chuí), ela prefere Santarém.
Cana dá

Dona Maria,
Me empresta uma canoa
Me ajuda a remar
Papai quer me mandar
Prum tal de Canadá
Mas como se eu só mexo com açaí?
Dona Maria,
Eu acho que não vou me acostumar
Aqui eu colho tudo que eu plantar
E lá, será que só cana que dá?
Dona Maria,
Eu me criei no meio dessa selva
Me salva, não me deixe longe dela
Eu não serei feliz longe daqui
Dona Maria,
Será que nesse Canadá tem igarapé
Cupuaçu, pupunha com café?
Da Amazônia não arredo
E lá não tem meu carimbó
Que é paid’égua
e que a gente dança só
O rio é minha estrada
Eu uso a água pra voar
A mata é minha casa e é difícil,
É difícil morar
Papai quer que eu me mude
A qualquer preço
E eu tô botando preço pra ficar
Ah se essa lua não fosse bater
Nesse rio-mar

Nessa música vemos mais uma vez a referência à Dona Maria que é um nome muito comum na população ribeirinha da Região Norte. Por outro lado, nos sensibilizamos com o apeno da protagonista à sua terra natal, que não deve ser trocada pelo Canadá. Vemos, ainda, o trocadilho feito com a palavra Canadá e a expressão cana dá, que faz parte da realidade da protagonista da canção que mora no interior.
A música retrata fielmente a realidade do ribeirinhos que usam o rio como estrada e a mata como casa, mesmo com todas as dificuldades enfrentadas por eles. Usa expressões da região (pai d’égua), danças típicas (carimbó), lugares da região (igarapé) e hábitos alimentares comuns (comer pupunha tomando café).
Esse trabalho buscou mostrar a identidade do povo santareno por meio das músicas de Jana Figarella que representa muito bem esse povo que a acolheu e que tem nela sua maior representante na MPB do momento.










Bibliografia

      CAMBRIA, Vincenzo. Diferença: uma questão (re)corrente na pesquisa etnomusicológica. Música e Cultura. Disponível em <http://www.musicaecultura.ufba.br>
      CHADA, Sonia. A etnomusicologia e o trabalho de campo. Texto não publicado.
      CHADA, Sonia. Resumos. Textos não publicados.
      LIMA, Ricardo (*). Música e identidade. In Revista Mucury. out/2007,ano 1, nº 2. Teófilo Otoni, MG.p.04.
      SANDRONI, Carlos. Apontamentos sobre a história e o perfil institucional da etnomusicologia no Brasil. Revista da USP, 2008, pp. 66-75.
      SEEGER, Anthony. Pesquisa de campo: uma criança no mundo. In Os índios e nós. Rio de Janeiro: Campos, 1980. PP. 25-40

Um comentário:

  1. Fiquei emocionada ao encontrar este blog, casualmente, enquanto navegava...
    Senti-me lisonjeada e sem palavras para agradecer tamanho carinho!
    Um abraço enorme e um beijo no seu coração!
    Há ainda muitas músicas por vir :)

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